Luta, fé e vitória
Texto de Maiara Carvalho e fotos de arquivo pessoal
Aos três dias de vida, as manchas cor café com leite levaram os médicos a diagnosticar que Matheus era portador de um raro tipo de câncer: neurofibromatose. A doença hereditária atingiu todo o seu lado esquerdo. Hoje, aos 10 anos, ele já passou por 11 cirurgias, amputou a perna esquerda e se prepara para encarar mais uma cirurgia na perna direita.
Matheus Pereira dos Santos fez quimioterapia durante três anos e já esteve três vezes entre a vida e a morte, na Unidade Intensiva de Tratamento – UTI. Aos quatro anos, os médicos explicaram a ele que “um bichinho tinha entrado na perna dele e comido toda ela, por isso, eles tinham que cortá-la”, recorda a mãe Irene.
Segundo ela, na escola onde estuda, Matheus sofre preconceito por parte de outras crianças. “Ele é muito sentimental e não gosta que ninguém o xingue”, conta. Mas, apesar disso, é uma criança feliz. Ela conta que o filho tenta levar uma vida normal. “Mas agora ele está proibido de andar de bicicleta e correr por conta da cirurgia que vai fazer”, afirma. A neurofibromatose atingiu seu lado esquerdo, mas a mãe conta que a doença está “passando” para o lado direito. “O pé dele está ficando torto, por isso, fará mais uma cirurgia”.
Matheus sabe que tem uma doença. Se questionado sobre o que tem, a resposta está na ponta da língua: “meu lado esquerdo não presta”, revela. Esse menino de pouca idade admira a vida como poucos. Sonha em ser bombeiro e médico. “Quero salvar a vida de todas as crianças doentes.”
Por trás da esperança infantil, a mãe respira fundo e recorda que a expectativa de vida projetada pelos médicos é de até 14 anos de idade.
O sofrimento dessa mãe pode ser o mesmo que Karina sentiu. Ela viu o seu filho, também chamado Matheus, morrer aos sete anos, também vítima de câncer. “Ele queria ser jogador de futebol, às vezes, queria ser pastor. Quis ser médico também, mas acho que desistiu”, conta, com os olhos cheios de lágrimas.
Com dois anos de idade, as dores nas pernas e manchinhas pelo corpo foram os primeiros indícios da doença. Esses sintomas, segundo os médicos, eram de anemia ou, talvez, virose. Depois de muitas idas e vindas aos hospitais de Joinville e São Francisco do Sul, veio o diagnóstico: Matheus estava com leucemia aguda.
Começou então o tratamento. Karina conta que no início ele não sentia dor e o tratamento foi mais tranquilo. A mãe estava grávida de Mariana. Depois de 42 longos dias internado, a família recebeu duas boas notícias: a irmãzinha nasceu no mesmo dia em que o menino recebeu alta do hospital.
Depois disso, ele podia manter uma vida normal, ir à creche e brincar, mas algumas vezes por semana precisava ir ao hospital para dar continuidade ao tratamento. Matheus fez quimioterapia e por isso, seus cabelinhos loiros caíram. “Na época, ele não se importou de ficar careca, dizia que estava parecido com o Ronaldinho”, lembra a mãe.
A cada três meses, o médico responsável pelo tratamento, Tulio Eugenio Malburg, fazia exames e consulta médica. “Até dezembro de 2010, ele estava bem”, confirma Karina. Em janeiro do ano passado, Matheus sentiu fortes dores no peito e na barriga. A mãe lembra que levaram o menino a várias consultas, e os médicos sempre falavam que ele não tinha nada. Foi quando ela pediu para fazer novos exames. Então veio a notícia: a leucemia tinha voltado. “Nós entramos em desespero”.
Em 29 de janeiro, Matheus foi internado no Hospital Materno Infantil de Joinville e começou a fazer quimioterapia cinco dias depois. “Matheus sentia muita dor, ficava de joelhos na cama para tentar aliviar”. Entre lágrimas e palavras, a mãe conta o sofrimento do filho. Conta também como ele era um menino abençoado. “Ele agradecia a todos que iam visitá-lo, mandava beijos para os amigos, para a professora, agradecia às enfermeiras, aos médicos”.
No dia 18 de fevereiro, Matheus teve infecção generalizada. Deu entrada na UTI e lá permaneceu nos seus últimos três dias de vida. Dias de angústia e sofrimento para o jovem casal Karina e Jean e para toda a família. O menino brincalhão, alegre, que gostava de imitar Michel Jackson estava se despedindo. A mãe conta que acreditou na recuperação dele até o último minuto. “Eu tinha certeza que ele ia melhorar”. Ela conta que Matheus queria muito viver, queria melhorar, nunca se deixou abalar. “Ele queria nos confortar”.
No seu último dia de vida, Matheus teve duas paradas cardíacas. “Eu vi quando a respiração dele baixou e o coração parou de bater”. Karina conta que os médicos ainda vieram contar que tinham reanimado, e que ela e o marido podiam voltar para casa tranquilos.
No caminho de casa, o telefone de Jean toca e vem a noticia: Matheus havia falecido. “Parecia um pesadelo, uma cena de filme, não sei como conseguimos chegar em casa”.
Na fé, Karina e Jean encontram forças. Entre choro e dor, ela conta que passando por tudo isso, o filho não se revoltou contra Deus. Ela acredita que Matheus está em um lugar iluminado e que vai vê-lo novamente. “Eu sei que está bem, não sente mais dor”.
Matheus fazia parte do grupo de nove mil crianças com câncer em todo o Brasil. Conforme dados do Instituto Nacional do Câncer – Inca, o câncer é a doença que mais mata crianças todos os anos. Entre os tipos de câncer, a leucemia é a mais comum.
A doença que tirou a vida de Matheus é a mesma que atingiu Fabrício Luiz das Neves. Ele, que conhecia Matheus, lamenta sua ausência. “Poderia ter sido a minha história”. Os pais de Fabrício descobriram que ele tinha leucemia na mesma idade que os de Matheus descobriram, aos dois anos. Durante sete anos fez quimioterapia e radioterapia em um hospital de Curitiba, no Estado do Paraná. Durante três anos, passava três semanas no hospital e uma semana em casa. Ele fala também que não se lembra de sentir dores. “Agradeço a Deus e aos meus pais, pois eu não senti nada, ou se sentia, não lembro”.
A exemplo de Matheus, ele também queria ser médico. “Levava os soros vazios, sem agulha para casa e brincava com meu avô”, conta. O sonho ficou para trás, junto com a leucemia. Fabrício, depois de sete anos, faz parte da feliz estatística das 70% das crianças com câncer que podem ser curadas. De acordo com o Inca, a maioria delas terá boa qualidade de vida após o tratamento adequado. Por ser muito pequeno, ele diz não se lembrar da sensação que a doença provocava. “Eu não entendia a gravidade da situação”. Hoje, aos 29 anos, livre da leucemia e sem nenhuma sequela, ele leva uma vida saudável e dedica sua vida a esposa e a filha, a pequena Julia, de 10 meses.